sábado, 28 de novembro de 2020

Os desafios e as conquistas da mulher advogada no Brasil

Há 120 anos, Myrthes Gomes de Campos se transformava na primeira advogada do Brasil. No entanto, entre concluir a faculdade e ser admitida no quadro de sócios do Instituto dos Advogados do Brasil, anterior à OAB, precisou esperar sete anos . A classe – até então dominada só por homens – tinha dificuldade de aceitar uma mulher advogada em seus quadros.

Essa relutância, no entanto, foi amenizada já na primeira causa judicial que Myrthes assumiu. Quando precisou defender um homem acusado de agredir outro a golpes de navalha no Rio de Janeiro, sua ousadia em vestir uma beca e sair em defesa de um homem atraiu centenas de pessoas ao Tribunal do Júri. Todos queriam ver de perto a qualidade da sua atuação. Surpreendeu a todos, mas escandalizou o país.

Foi nesse contexto que se deu o ingresso feminino no mundo jurídico brasileiro. Mais de um século depois, a participação das mulheres como operadoras do Direito não causa mais o mesmo espanto. Mas foram necessários 50 anos, desde a estreia de Myrthes, até que o Brasil empossasse a primeira juíza mulher, Thereza Grisólia Tang. Depois disso, outros 46 anos se passaram até que a primeira mulher fosse admitida no STF – Ellen Gracie, em 2000. A entrada de Gracie na mais alta corte do país revelou um antigo despreparo físico no órgão: o prédio não possuía sequer banheiro feminino à época. 

Avanços e desafios da mulher advogada

No entanto, apesar de todos esses avanços, mesmo lentos, ainda há muitas questões que precisam ser superadas. Os desafios da advocacia feminina nunca terminam.

Afinal, quem é mulher, sabe: o desrespeito ainda existe. E, no ambiente jurídico, costuma acontecer de maneira mais sutil, especialmente por envolverem mulheres conhecedoras de seus direitos. No entanto, devido ao fato de mulheres já serem desrespeitadas em outros espaços, muitas costumam nem estranhar o comportamento impositivo ou preconceituoso de alguns colegas.

Por isso, muitas vezes, é preciso um olhar treinado para identificar certas discriminações no cotidiano. O fato da mulher advogada não ser ouvida, por exemplo. A forma como suas opiniões não são levadas em consideração. A inclinação dos homens em enaltecer seus atributos físicos ou sua beleza no lugar de sua competência. E até as pequenas desigualdades trabalhistas para quem é autônoma: não há direito à interrupção ou à suspensão legal de prazos de um processo durante o período de licença-maternidade, por exemplo.

Quase mais mulheres do que homens na advocacia 

O número de mulheres na advocacia está cada vez mais perto de alcançar o dos homens. Dos pouco mais de 1,1 milhão de advogados no país hoje, elas representam 49% do total de inscritos na OAB, segundo dados da própria instituição.

Em cinco Estados, essa inversão já ocorreu. Há mais advogadas do que advogados, hoje, na Bahia, no Espírito Santo, no Pará, no Rio de Janeiro e em Rondônia. Além disso, as mulheres devem ultrapassar muito em breve os homens no restante do país. Na faixa etária até os 25 anos, por exemplo, a liderança feminina na advocacia já é uma realidade.
Isso significa que mais mulheres estão concluindo a faculdade de Direito e sendo aprovadas no Exame de Ordem, por exemplo. Em nove deles, inclusive, a diferença chega a ser o dobro. É o caso, por exemplo, da Bahia, do Espírito Santo, do Mato Grosso, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, de São Paulo e de Rondônia.
 
mulher advogada

Conselho Federal da OAB nunca foi presidido por mulheres

Apesar desse crescimento no número de advogadas no país, ainda há muito o avançar na advocacia. Fundada em 1930, a OAB, por exemplo, nunca foi presidida por uma mulher advogada.

Nas Seccionais, isso só aconteceu 9 vezes em quase 90 anos de história. O atual triênio, por exemplo, é uma demonstração dessa realidade atual: não há mulher advogada à frente de nenhuma Seccional. Por outro lado, elas são maioria entre os eleitos para o cargo de vice-presidente: em 19 Estados.

Já no Conselho Federal da Ordem, as mulheres ocuparão 16 das 81 vagas de conselheiros titulares.

A última mulher advogada a presidir uma Seccional foi no triênio anterior, quando Fernanda Marinela esteve à frente da OAB de Alagoas. Em entrevistas, ela chegou a mencionar os preconceitos sutis que enfrentou no início de sua gestão.

Alguns homens vinham me perguntar diretamente se quem iria decidir o dia a dia da OAB seria meu marido ou meus companheiros de chapa. Ao que eu respondia sempre com outra pergunta: não pode ser EU?.

O é que ser mulher me permite enxergar situações que os homens simplesmente não conseguem enxergar. É o caso, por exemplo, da importância de um atendimento prioritário para a advogada gestante e lactante.

Um fato curioso aconteceu em São José dos Pinhais, no Paraná, por exemplo. A subseção tem uma mulher na presidência, outra mulher na vice-presidência, outra na secretaria-geral e outra na secretaria-geral adjunta. Apenas a tesouraria tem um homem à frente dos trabalhos. Ou seja: 80% da diretoria executiva são formadas por advogadas.

No total, o Paraná tem 14 mulheres eleitas para presidir suas subseções da OAB, um número 250% maior que no último triênio, que tinha apenas quatro.

Avanços para a mulher advogada

Norberto Bobbio, um dos filósofos do Direito mais reconhecidos no mundo, disse um dia, em suas obras, que a maior transformação do século 20 foi a revolução feminina. Na advocacia, essas conquistas vêm avançando a passos lentos, mas necessários.

Em 2016, por exemplo, a OAB reconheceu sua importância ao instituir o ano das mulheres no Brasil. Desde então, os olhares estiveram mais voltados para a causa algumas conquistas começaram a aparecer.

1. Plano Nacional da Mulher Advogada

Naquele ano, todos os esforços da OAB se voltaram à implementação do Plano Nacional de Valorização da Mulher Advogada. Tal iniciativa foi criada pelo provimento 164/2015 com o objetivo de fortalecer os direitos humanos da mulher.

Diversas ações passaram a garantir a efetiva participação das profissionais na Ordem e a proteção de suas prerrogativas. As principais envolveram a:

  • elaboração de propostas que apoiem a mulher no exercício da advocacia;
  • implementação de condições diferenciadas nos serviços prestados pela Caixa de Assistência dos Advogadosa;
  • a promoção de diálogo com as instituições, visando humanizar as estruturas judiciárias voltadas às advogadas.

A ideia, portanto, é atuar em questões práticas. É o caso, por exemplo, de lutar contra todas as formas de assédios, incentivar a valorização da mulher advogada como sócia, associada e contratada e garantir o seu direito à maternidade.

2. Direitos da advogada gestante, lactante ou adotante

Somente em 2016, a advogada lactante, adotante ou que der à luz e o advogado que se tornar pai tiveram seus direitos como tais reconhecidos dentro da profissão. Até então, profissionais nesta condição não possuíam nenhum direito diferenciado durante os primeiros meses como mãe ou pai.

  • suspender os prazos processuais por 30 dias a partir do nascimento dos filhos da advogada ou da adoção feita por ela;
  • suspender os prazos processuais por 8 dias para os pais que se tornaram pais.

Os efeitos dessa determinação são enormes. Ela impactou especialmente na rotina das mães que, antes, precisavam se desdobrar para cumprir prazos e participar de audiências em meio às necessidades do filho recém-nascido.

A norma, portanto, alterou o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994), acrescentando o art. 7-A, onde consta:

I – gestante:

a) entrada em tribunais sem ser submetida a detectores de metais e aparelhos de raios X;

b) reserva de vaga em garagens dos fóruns dos tribunais;

II – lactante, adotante ou que der à luz: acesso a creche, onde houver, ou a local adequado ao atendimento das necessidades do bebê;

III – gestante, lactante, adotante ou que der à luz: preferência na ordem das sustentações orais e das audiências a serem realizadas a cada dia, mediante comprovação de sua condição;

IV – adotante ou que der à luz: suspensão de prazos processuais quando for a única patrona da causa, desde que haja notificação por escrito ao cliente.

3. Mais mulheres na OAB

No regulamento interno da OAB também houve mudanças. Em setembro de 2018, o Conselho Federal decidiu que, a partir das próximas eleições,  só será admitido o registro de chapas que atendam ao mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo.

Isso vai incentivar, por exemplo, a maior participação da mulher advogada entre os mais altos cargos da Ordem:

  • diretoria executiva das Seccionais;
  • conselheiros seccionais;
  • conselheiros federais;
  • diretoria da Caixa de Assistência dos Advogados;
  • diretoria executiva das subseções.

A novidade altera o art. 131 do Regulamento Geral da OAB e insere dois novos dispositivos. Ficam assim suas redações:

Art. 131. São admitidas a registro apenas chapas completas, que deverão atender ao mínimo de 30% e ao máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, com indicação dos candidatos aos cargos de diretoria do Conselho Seccional, de conselheiros seccionais, de conselheiros federais, de diretoria da Caixa de Assistência, sendo vedadas candidaturas isoladas ou que integrem mais de uma chapa.

£ 1º O percentual mínimo previsto no caput deste artigo aplicar-se-á quanto às diretorias dos Conselhos Seccionais, das Caixas de Assistência e do Conselho Federal e deverá incidir sobre os cargos de titulares e suplentes, se houver.

£ 2º Para o alcance do percentual mínimo previsto no caput deste artigo, far-se-á o arredondamento de fração para cima somente quando esta for superior a 0,5.

£ 3º As regras deste artigo aplicam-se também às chapas das Subseções.

Já a inserção dos dois novos artigos (art. 156-B e art. 156-C) resulta assim:

Art. 156-B – As alterações  passarão a vigorar a partir das eleições de 2021.

Art. 156-C – As eleições nos Conselhos Seccionais e nas Subseções em 2018 e no Conselho Federal em 2019 serão regidas pelas regras do Provimento 146/2011 e deste Regulamento Geral, vigentes em 2018.

4. Direitos da mulher presa

Em fevereiro de 2018, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu o primeiro habeas corpus coletivo do Brasil em favor de presas grávidas e mães de crianças com até 12 anos de idade, adolescentes em situação semelhante do sistema socioeducativo e as que tenham sob custódias pessoas com deficiência.

Embora este não seja necessariamente um avanço relacionado aos direitos da mulher advogada, é o resultado de uma importante e longa reivindicação da advocacia. Isso se dá especialmente pelo objetivo do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), que impetrou instrumento.

Segundo o órgão, por exemplo, era importante dar um olhar diferente aos direitos peculiares da mulher em razão da sua condição. 

 

 

Fonte : https://blog.sajadv.com.br/desafios-conquistas-mulher-advogada/

 

 

 

 

 

sábado, 14 de novembro de 2020

Da retificação de registro civil e suas modalidades

Imagem: Jaquelina Nascimento - ADVOGADA em CONSTRUÇÃO


Os registros públicos dizem respeito aos atos registrados nos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais, tais como os nascimentos, casamentos, óbitos, emancipações, interdições, sentenças declaratórias de ausência, as opções de nacionalidade e as sentenças que deferirem a adoção, além das respectivas averbações e anotações, e estão regulados na Lei n. 6.015/73.

A retificação de registro civil, em sentido genérico, é a correção de informações ou dados constantes do assento, pressupondo-se a existência de erro. Há também a alteração do registro civil, relacionada ao estado da pessoa, como na hipótese em que o interessado deseja modificação do seu gênero e nome ou somente de seu nome. Neste caso, embora denominada como retificação de registro civil, a ação ajuizada para essa finalidade não cuida de qualquer retificação, mas de alteração do nome ou do gênero da pessoa, conforme o pedido.

Há que se distinguir a retificação, que pressupõe a existência de erros, como já dito, da restauração de assento de registro civil, porquanto esta última pressupõe a perda ou extravio do registro, tal qual nos casos de inundação ou incêndio do cartório, redundando na destruição dos livros registrários. Não há que se confundir a restauração com o registro civil tardio, hipótese que demanda a demonstração da inexistência do registro por não haver sido lavrado em qualquer época.

Como é cediço, as retificações de registro civil podem ser realizadas pela via judicial ou administrativa, conforme o caso. O artigo 13, inciso I, da Lei 6.015/73 permite que alguns atos do registro civil possam ser praticados a requerimento verbal ou escrito dos interessados, independentemente de ordem judicial. No caso da via judicial, a ação deve ser ajuizada perante o foro de domicílio da pessoa interessada ou no foro do local do cartório onde se acha o assento. Em regra, esse processo segue a jurisdição voluntária e deve ser postulado por advogado perante o juiz competente.

A lei registral já possibilitava a modificação do nome e do assento sem a necessidade de ação judicial, conforme disposto nos artigos 56 e 110, nos seguintes casos: I) o interessado que, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família; II) erros que não exijam qualquer indagação para a constatação; III) erro na transposição dos elementos constantes em ordens e mandados judiciais, bem como de outros títulos; IV) inexatidão da ordem cronológica e sucessiva da numeração do livro, da folha, da página, do termo e da data do registro; V) elevação de distrito a município ou alteração de suas nomenclaturas por força de lei.

O pedido apresentado diretamente no cartório é registrado e deferido ou indeferido pelo registrador. Com a mudança introduzida pela Lei 13.484/2017, deixou de ser necessária, inclusive, a oitiva do Ministério Público nesses casos de retificação administrativa de erros mais simples ou que não exijam qualquer indagação. Se o oficial registrador entender que o caso enseja maiores indagações, deverá remeter a parte para a via judicial. Do indeferimento, contudo, cabe inconformismo pela parte interessada, caso em que o registrador remeterá os autos ao juiz corregedor permanente, que decidirá após a oitiva do Ministério Público. Todavia, o pedido, nesse caso, ainda possui natureza administrativa, devendo ser observadas as hipóteses do referido artigo 110.

Outras situações ainda ensejam autorização judicial, tais como: VI) as questões de filiação (art. 113); VII) averbação do patronímico do companheiro pela mulher (art. 57, §2º); VIII) alteração de nome em razão de fundada coação ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime (art. 57, §7º e 58, parágrafo único); IX) averbação do nome de família do padrasto ou da madrasta pelo enteado (art. 57, §8º); X) modificação de nome pelo interessado fundado em motivo relevante (art. 57, caput); XI) substituição do prenome por apelidos públicos notórios (art. 58).

Se a correção depender da verificação do estado da pessoa natural (art. 103, LRP), ou seja, questões envolvendo filiação, como investigação ou desconstituição de paternidade, ou casamento, como nulidade ou anulação, a ação judicial deverá ser proposta perante o juízo da família competente, seguindo o procedimento de jurisdição contenciosa. Nos casos em que o interessado alegar que o nome de um de seus genitores constantes de seu assento de nascimento estiver completamente errado, havendo dúvida quando à pessoa, será necessário o ajuizamento de ação de filiação perante o juízo de família, não sendo possível a mera retificação perante o juízo de registros públicos.

Há, ainda, a hipótese de decisão pelo juiz quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial quanto ao prenome suscetível de expor ao ridículo a pessoa (art. 55, parágrafo único) (XII). Nesse caso, a competência é do juiz corregedor permanente do cartório de registro civil de determinada região.

Em suma, os casos enumerados no art. 110 da lei registrária podem ser objeto de retificação pela via administrativa. Nas demais hipótese, a retificação deve ser judicial. Vem prevalecendo o entendimento nas Varas de Registros Públicos desta Capital o entendimento de que para a correção pela via administrativa há que existir erro no assento e este deve ser evidente, de nítida constatação mediante a confrontação da documentação apresentada, tal como, p.ex., para correção de erro do nome da pessoa constante de assento de casamento que não esteja exatamente com a mesma grafia constante de seu assento de nascimento. Se houver dúvida ou necessidade de dilação probatória, a parte deverá buscar a via judicial.

É importante ressaltar que os registros públicos são regidos pelos princípios da anterioridade, continuidade e veracidade, dentro outros, de modo que, p. ex., se o nome constante do assento de nascimento de determinada pessoa não estiver reproduzido exatamente com a mesma grafia no assento de casamento, este último é que deverá ser retificado para se ajustar ao primeiro, por se tratar de registro lavrado posteriormente. Somente por exceção - no caso de justificada necessidade - o juiz poderá deixar de observar o princípio da anterioridade, tomando-se o exemplo citado, para manutenção do nome tal como registrado no assento lavrado posteriormente (assento de casamento).

Há, ainda, a possibilidade de modificação do nome da pessoa no primeiro ano em que completada a maioridade civil, que poderá ser pleiteada pela via administrativa. Esta via, contudo, constitui uma opção ao interessado, que poderá também fazê-lo pela via judicial, segundo o princípio da inafastabilidade da jurisdição previsto no inciso XXXV, art. 5º, da CF (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”).

Por fim, uma vez determinada a retificação pelo juiz competente, a parte deverá encaminhar os mandados judiciais aos cartórios de registro civil para as devidas averbações, devendo comprovar nos autos haver cumprido com tal determinação no prazo assinalado.

Quando chamado a intervir, o Ministério Público deverá permanecer atuando para zelar, nessas ações, pela observância dos princípios da legalidade, publicidade, segurança jurídica e eficácia dos atos jurídicos, dignidade da pessoa humana, dentre outros.

 

Fonte : https://www.conjur.com.br/2019-dez-23/mp-debate-retificacao-registro-civil-modalidades