quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Carisma e Sedução

Na moderna linguagem da política, usam-se os termos carisma e carismático com demasiada liberdade. Fica difícil distinguir ambos do conceito de popularidade.

Carisma, na sua concepção original, significa “dom da graça”. É uma qualidade excepcional que os indivíduos atribuem a certas pessoas, em posição de liderança. Originalmente, tratava-se de um conceito religioso que denotava a capacidade de fazer coisas extraordinárias, fora do alcance das pessoas comuns, como “milagres”, “falar línguas”, “ter visões”, “capacidade de comunicar-se com a divindade”, e outras análogas.

Carisma tratava-se de um conceito religioso que denotava a capacidade de fazer coisas extraordinárias

Na origem de todas as religiões há sempre uma ou mais figuras carismáticas que, por suas qualidades extraordinárias e por seus feitos excepcionais, credenciaram-se, perante seus contemporâneos, como taumaturgos – intérpretes da palavra e vontade divina – e como fundadores de uma religião. Com o tempo o conceito tornou-se mais racional,chegando mesmo a integrar-se ao vocabulário sociológico e político, pela obra de Max Weber.

Weber, na sua clássica tipologia de formas legítimas de autoridade, incluiu, ao lado da legitimidade tradicional e da legal, a legitimidade carismática. Na moderna linguagem da política, usa-se o termo carisma e carismático com demasiada liberdade. Fica difícil distingur ambos do conceito de popularidade.

Mais que oportuno, entretanto, é necessário distinguir.

Carisma é um conceito muito mais próximo da religião do que da política. Possuir carisma é possuir, ou melhor, ser percebido como possuindo dons excepcionais, inacessíveis às pessoas comuns. Em conseqüência, estes indivíduos são objeto de devoção e respeito reverencial.

Líderes carismáticos “convertem” pessoas,realizam “milagres”, podem exigir sacrifícios de seus comandados, são encarados como seres superiores – na sabedoria, na força, na visão.

Líderes carismáticos autênticos, estão sempre na fronteira entre a religião e a política. Não porque eles pessoalmente vivam esta condição, mas porque o povo os situa naquela posição.

Na política, Mussolini, Hitler, Lênin, Ghandi, Roosevelt, Fidel, Kennedy, De Gaulle, entre outros, e para suas respectivas comunidades, costumam ser citados como exemplos de lideranças carismáticas.

A crença na força, ou sabedoria, ou visão, ou heroísmo, ou vida exemplar, ou capacidade de sacrifício, ou ainda outras virtudes - todas elas em grau excepcional - (a tal ponto que o indivíduo comum não as ousa atribuí-las a si mesmo) é que fizeram deles lideranças políticas carismáticas.

Não é portanto qualquer político com alta popularidade que pode ser considerado carismático. Para sê-lo, é preciso ser capaz de despertar no povo sentimentos muito intensos, de natureza semi-religiosa ou até mesmo religiosa, e ser capaz também de, por suas ações, sustentar a convicção e a crença de que continua em plena posse daqueles poderes excepcionais. Se o fundamento da sua autoridade é o “dom da graça” (em termos políticos, força, visão, sacrifício, sabedoria, heroísmo, ou outra virtude, desde que excepcional) para mantê-la, o líder carismático precisa, continuadamente, dar prova de possuí-las.

O líder carismático opera no mundo dos sentimentos, das emoções, da religiosidade

Se, em algum momento suceder que ele se revela incapaz de realizar o que dele se espera, naquela virtude onde se fundamenta o seu carisma, sua autoridade se esvai. Em termos religiosos, equivale ao profeta que não mais realiza milagres, porque o Senhor o abandonou.

O líder carismático, como se vê, opera no mundo dos sentimentos, das emoções, da religiosidade. São individuos que exibem grande confiança em si mesmos; excepcional audácia;uma absoluta clareza mesclada com intransigência, na sua visão da sociedade que, ética, historica ou religiosamente deve ser implantada; uma heróica disposição para o sacrifício, na luta por aquele objetivo; uma excepcional força de carater, para enfrentar as derrotas sem perder a esperança; um mistério acerca de si mesmo que se aproxima do religioso; um magnetismo pessoal irresistível para seus seguidores.

Tais indivíduos não poderiam comunicar-se com os seus seguidores, na forma de uma oratória racional, por meio de argumentos lógicos e bem fundamentados.

Sua oratória, teria que ser, como é, inevitavelmente emocional, mobilizando os sentimentos mais fortemente sentidos pelas pessoas a quem fala, destinada a converter e não a convencer, a seduzir e não a persuadir. A oratória da sedução é a expressão do carisma, na comunicação entre líder e liderados.

Algumas advertências sobre a liderança carismática se impõem:

1. Não é o líder que decide se é carismático ou não. É o povo quem decide, se atribue a ele as qualidades excepcionais que constituem a marca da liderança carismática;
2. A liderança carismática apóia-se totalmente nas presumidas qualidades extraordinárias. Se elas faltarem ao líder, seu poder se esvai imediatamente;
3. Em conseqüência, o lider carismático precisa estar sempre dando provas concretas do seu poder, naquelas qualidades onde a presunção de seu carisma se edificou.

Fonte: Política para políticos

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