terça-feira, 23 de março de 2010

Eleições 2010: foi dada a largada


Para quem é de fora de Brasília, o resultado da prévia no PT que escolheu o ex-ministro do Esporte Agnelo Queiroz candidato ao governo do Distrito Federal certamente parece uma coisa distante e sem maior importância. Mas a verdade é que se trata de uma das primeiras mexidas concretas de peças no tabuleiro da sucessão presidencial em outubro.

Dentro do modelo de governo de coalizão que estabelecemos para a nossa democracia (que só não aconteceu na eleição de Fernando Collor, um fenômeno que dificilmente um dia irá se repetir), eleições regionais estão necessariamente imbricadas à eleição nacional.

Estabelece-se um jogo de compensações pelo qual a composição dos apoios nacionais passa pela formação dos acertos estaduais e vice-versa. É disso que o PMDB vive desde que José Sarney deixou de ser presidente da República. É assim que ele sobrevive sendo o maior partido do país sem ter a mínima condição de lançar um nome competitivo na disputa nacional. E é também por causa desse jogo que PT e PSDB, apesar de terem os grandes nomes nacionais, não conseguem governar sozinhos.

O comando da campanha de Dilma Rousseff e a direção nacional do PT tentaram a todo custo evitar a prévia em Brasília. Não era um temor injustificado. Primeiro, porque a disputa interna fez com que Agnelo e seu adversário, o deputado Geraldo Magela, revirassem as fossas expondo os podres um do outro. Um desgaste que não haveria numa situação acertada sem disputa. Agnelo ganhou, mas agora os eleitores estão lembrados dos convênios mal explicados do Programa Segundo Tempo no Ministério dos Esportes, e ele ainda terá que ficar explicando de onde veio o dinheiro que usou para comprar sua casa. A oposição agradece. Segundo, porque enquanto os dois se digladiavam, os demais partidos que poderiam compor com o PT começaram a considerar seriamente a hipótese de sair sozinhos.

Como já dizia Fernando Pessoa, nenhum rio é mais bonito que “o rio da minha aldeia”. Nada amadores, os comandantes da campanha de Dilma sabem disso. Se o eleitor comum dá mais importância a quem elege para presidente, quem lida com eleições sabe que a lógica dos cabos eleitorais é oposta. Para os profissionais da política, a campanha irradia-se da cidade para o país. Até porque é na cidade que eles lucrarão diretamente com os resultados. Assim, se não houver uma relação direta entre os interesses da disputa local e a disputa nacional, o candidato nacional dança. Acaba esquecido pelos cabos eleitorais de cada rincão. Mesmo que os demais partidos do campo que apoia o governo Lula não tivessem outro nome na disputa nacional, eles certamente estariam mais envolvidos com suas próprias vidas se viessem a formar em Brasília um palanque diferente do palanque do PT.

Assim, a direção nacional do PT jogou pesado para garantir a vitória de Agnelo, um novato no partido e que, por isso, teria maior dificuldade em ganhar uma militância que Magela conhecia bem melhor. Agnelo venceu apertado, com apenas 56% dos votos da militância. Mas agora fica aberta a possibilidade para sentar novamente com os demais partidos da base de Lula e reconstruir um entendimento.

Se Magela tivesse ganho a disputa, ele teria atropelado inteiramente a vontade da direção nacional e do comando de Dilma. Muito provavelmente, a frente de aliados, que inclui o PDT de Cristovam Buarque e o PSB de Rodrigo Rollemberg partiriam para a formação de uma chapa própria, para desespero da ministra candidata.

Agora, o fato de ter havido a disputa pode até facilitar o entendimento com os demais partidos. Se Magela tivesse cedido a um acerto, o PT talvez tivesse que dar a ele um prêmio de consolação. O prêmio que ele queria era uma vaga para o Senado. Começaria a complicar a conversa com os demais partidos. Cristovam e Rollemberg querem também vagas na chapa para o Senado. São só duas vagas. Um dos três dançaria. E ficaria ainda o temor: dono da máquina, Magela a colocaria para trabalhar em favor do outro candidato não petista, Cristovam ou Rollemberg?

Derrotado numa prévia que a direção do PT não queria, é provável que o partido agora conclua que não deve mais nada a Magela. Perdeu, um abraço. Terá de se contentar em tentar a reeleição para deputado federal. Ficam abertos, então, três cargos para negociar. O PT tem o candidato a governador, o PDT e o PSB ficam com as duas vagas para o Senado. O cargo de vice, estima-se, pode ir, então para o PMDB, repetindo localmente o acerto que será feito nacionalmente, com Dilma na cabeça e, provavelmente, Michel Temer como seu vice.

Dilma monta, assim, um palanque forte em Brasília. Se não acabar colhido também pela Operação Caixa de Pandora – o que é uma possibilidade muito concreta -, o principal adversário dessa chapa será Joaquim Roriz, do PSC. Um candidato com discurso e cabeça meramente regionais. Não moverá uma palha contra Dilma. Não emprestará palanque para ela, até porque Dilma provavelmente não o procurará. Mas também não vai atrapalhá-la.

E, com a ruína absoluta de José Roberto Arruda e Paulo Octávio, nada restou para a oposição a ela no Distrito Federal. Se os dois não tivessem se enredado no vergonhoso esquema das propinas em meias e bolsas, Dilma cortaria um dobrado na cidade em que trabalha e vai montar seu comitê de campanha. Agora, se conseguir consolidar de fato a chapa com PT, PMDB, PDT, PSB (e PCdoB) em Brasília, vai navegar tranquila. Se, na montagem dos demais palanques regionais, a ministra da Casa Civil tiver a sorte que teve no DF, estará eleita.




*É o editor-executivo do Congresso em Foco. Formado em Jornalismo pela Universidade de Brasília em 1986, Rudolfo Lago atua como jornalista especializado em política desde 1987. Com passagens pelos principais jornais e revistas do país, foi editor de Política do jornal Correio Braziliense, editor-assistente da revista Veja e editor especial da revista IstoÉ, entre outras funções. Vencedor de quatro prêmios de jornalismo, incluindo o Prêmio Esso, em 2000, com equipe do Correio Braziliense, pela série de reportagens que resultaram na cassação do senador Luiz Estevão

Fonte: Congresso em Foco

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