segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A política e a guerra: Maquiavel e Sun Tzu

Sob qualquer ângulo que se encare, política e guerra são duas atividades humanas muito próximas.
Sob qualquer ângulo que se encare, política e guerra são duas atividades humanas muito próximas. Tornou-se clássica a frase sobre a guerra:
“A guerra é a continuação da política por outros meios”, de Carl von Clausewitz (1780-1831), militar prussiano, historiador e teórico militar (Sobre a Guerra).
Se Clausewitz tratou da guerra como uma extensão da política, para Maquiavel, a política era indissociável da guerra. O príncipe, para ele treinava para governar, adestrando-se nas artes da guerra, e a estratégia militar era também uma estratégia política.
Maquiavel, na sua obra e com bastante frequência, tende a assimilar a dimensão política na militar, e as leis, no uso da força.
Veja-se a propósito o texto mais importante escrito por Maquiavel sobre as leis:
“Os fundamentos do poder de qualquer estado, seja ele novo, antigo ou misto, são as boas leis e as boas armas. Como não pode haver boas leis onde não há boas armas, e, onde há boas armas deve haver boas leis, eu não vou discutir leis, vou discutir armas.” (N.Maquiavel- Príncipe- Cap XII).
A guerra, no contexto histórico em que Maquiavel viveu, era guerra mesmo. Os principados italianos no período do renascimento frequentemente estavam em guerra entre si, além de lidar com a violência política internamente.
Neste ambiente social, segundo Maquiavel, o político lúcido deve ser capaz de prever, com a devida antecipação, aquelas situações de conflito que, mais cedo ou mais tarde, eclodirão como guerras. Diante deste quadro, ele adverte que há duas maneiras de lidar com o conflito anunciado: “ganhar tempo” ou “tomar a iniciativa” .
Usando o exemplo dos romanos ele diz:
“Precavidos, os romanos conjuraram sempre os perigos antes que eles aumentassem, mesmo ao custo de uma guerra, pois sabiam que as guerras não se evitam adiando-as, e se forem adiadas, beneficiarão o adversário. Guerrearam contra Felipe e Antíoco na Grécia para não ter mais tarde que lutar contra ambos na Itália. Era fácil para eles evitar as guerras, mas não o fizeram, nem deram importância à antiga máxima dos sábio dos nossos dias de que “convém ganhar tempo...”
Maquiavel, escrevendo na Itália e para a Itália, não concebia como separar a guerra da política. A adaptação do pensamento político de Maquiavel, para os atuais regimes democráticos, depende, entretanto, de uma redefinição do seu conceito de guerra.
É preciso, então, ampliar-se o significado do que ele chama de guerra, para que a lição seja útil para a política que se pratica numa democracia.
O conceito de guerra para Maquiavel precisa então ser redefinido para algo como:
“Um conflito político grave, radical e intenso que contrapõe dois adversários numa disputa decisiva (isto é uma disputa na qual o derrotado perde, além do poder, as condições de competitividade no qual os concorrentes usam todos os meios possíveis, para derrotar e submeter seus adversários, à exceção do recurso aberto à violência”
Portanto, o único meio ou recurso político com o qual uma democracia não pode conviver é a violência. Democracia é um sistema político que substitui o uso da força física por votos. Com ressalvas como essas, o pensamento de Maquiavel pode ser convertido do campo militar para o político, como se vê na seguinte advertência de Maquiavel, muito conhecida pela expressão: "Não se adiam guerras inevitáveis".
Numa democracia há sempre muitos conflitos, a maioria dos quais pode e deve ser evitada. Há entretanto também certos conflitos que são inevitáveis, porque : (a) os adversários não admitem espaço para negociação e transigência; (b) a situação de conflito está estruturada sob a forma de uma relação de “soma zero”, isto é, o que um perde é exatamente o que o outro ganha; (c) seu desfecho é decisivo para o resultado da competição, e para o futuro dos combatentes.
Para esses casos a lição de Maquiavel é clara:
Tentar apaziguar o adversário, ganhar tempo, são procedimentos arriscados porque, a qualquer momento, o adversário pode romper a trégua e assumir a ofensiva.
Assim, é preferível preparar-se por antecipação, escolher o melhor momento, municiar-se dos elementos necessários para vencer, e, na ocasião certa tomar a iniciativa e assumir a ofensiva.
O mesmo procedimento pode ser usado também para a aplicação do pensamento militar de Sun Tzu à política. Sun Tzu (500?AC-400AC?) é considerado o autor da Arte da Guerra, obra que continua a exercer influência nos dias que correm. Assim como o Príncipe de Maquiavel, e outras obras políticas clássicas, são feitas incontáveis novas edições a cada ano. Durante os séculos XIX e XX a Arte da Guerra tornou-se muito popular no Ocidente e foi largamente utilizada pelos exércitos ocidentais daquele período. Para se ter uma ideia da atualidade desta obra, a Arte da Guerra de Sun Tzu, ainda hoje é leitura obrigatória da Academia dos Fuzileiros Navais dos EUA.
Mas também é utilizada no mundo político. Raros são os cursos de estratégia política que não usam o texto de Sun Tzu como leitura programada, ou como fonte de instrução.
Para Sun Tzu a guerra é, sobretudo um confronto entre dois generais. Para tal, ele supõe que o general conta com o respaldo e apoio do seu soberano, e o absoluto comando sobre seu respectivo exército. Por isso, depois de enumerar os quatro fatores para ganhar uma batalha, no quinto ele adverte:
“Vencerá a batalha aquele que tiver capacidade militar e não sofrer a interferência do seu soberano”
As lições de Sun Tzu, assim como os conselhos de Maquiavel para a guerra, quando redefinidos para uso numa democracia, assumem uma natureza política. Atente-se, neste sentido, para o que Sun Tzu tem a dizer sobre vitória e derrota, e sobre estratégia e tática:
“Proteger-nos contra a derrota está em nossas mãos, mas a oportunidade de derrotar o inimigo é proporcionada pelo próprio “Vence a batalha quem não comete erros. Não cometer erros é o que estabelece a certeza da vitória, pois significa derrotar um inimigo que já está derrotado” (...porque ele cometerá os erros).
O grande objetivo, entretanto, não pode ser não errar nunca. Como já esclarecemos em colunas deste site, erros acontecem e são inevitáveis. O que se busca é errar pouco, errar em questões menos importantes, e, sobretudo, manter sempre a possibilidade de corrigir o erro cometido.
Sobre a importância da estratégia, Sun Tzu menciona um aspecto que raramente é referido:
“Todos podem ver as suas táticas, mas assegure-se que ninguém possa descobrir a sua estratégia.”
Em outras palavras, as táticas sempre são visíveis e poderão ser compreensíveis para seu adversário. Elas sempre são ações de operacionalização de uma estratégia.
Não se chega, porém, ao conhecimento de uma estratégia, apenas pelo entendimento das táticas usadas. O que o general e o político não podem deixar acontecer nunca é que o adversário venha a conhecer a sua estratégia.
Francisco Ferraz
Fonte: http://www.politicaparapoliticos.com.br/interna.php?pagina=3&t=757166

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