segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Mauricio de Sousa - "A infância não está mais curta"



" Pessoal, resolvi compartilhar essa brilhante entrevista publicada na revista Isto É que refrata sobre nossas diversas fases , bem como cultura entre outros temas.








Maurício de Sousa é um profissional à qual admiro muito e acompanho desde minha infância, sendo um exemplo de perseverança e autoconfiança.



Espero que gostem !

Forte abraço e amo todos vocês!

Jaquelina Nascimento "


Aos 75 anos e um bilhão de gibis depois, o maior cartunista do Brasil relembra sua trajetória e revela segredos de sua tão conhecida matéria-prima: nossas crianças

por Hélio Gomes

ISTOÉ -
Como foi receber seu primeiro salário como cartunista?


MAURICIO DE SOUSA -
Era como se fosse um dinheiro diferente, com outro valor. Primeiro porque era menos do que eu ganhava como repórter – e esse era o lado preocupante. Segundo, porque sentia que era uma coisa que eu iria plantar. Planejei a minha primeira tirinha cuidadosamente. Tinha me preparado muito para criar as histórias em quadrinhos e um sistema de redistribuição em uma cadeia de jornais em todo o Brasil, como fazem os americanos. Se eles faziam lá, eu poderia fazer aqui.


ISTOÉ -
E como o sr. se sentiu ao pagar o primeiro salário do seu primeiro funcionário?


MAURICIO DE SOUSA -
Me senti satisfeito porque podia pagar (risos). Mas a dificuldade ali não era financeira, material. Era psicológica, já que eu fazia tudo sozinho, era só um artista. Para mim, entregar o desenho para um auxiliar doía muito. Mas o pior foi passar o roteiro para outros criativos, aí foi duro. Depois de dez anos eu estava preparado para criar e produzir uma revista, a “Mônica”. Acabamos de atingir o número 500, mesmo com as mudanças de editora.

ISTOÉ -
Como o sr. conciliou o artista com o empreendedor?

MAURICIO DE SOUSA -
Para mim sempre teve que ter sustentabilidade. Sei que é uma palavra moderna, mas era a caderneta dos velhos tempos: 2 mais 2 igual a 4. Eu não tinha sócio ou pai rico, então tive que crescer organicamente. Atravessei planos econômicos, crises, ditadura e o escambau. E a gente continuou, sempre com algumas vacinas. Nunca dependemos de bancos, por exemplo. Eu tinha de usar os recursos corretamente, senão, no mês seguinte, eu não poderia fazer o que gosto, que é desenhar.


ISTOÉ -
Qual a receita para falar com a garotada?


MAURICIO DE SOUSA -
Você não pode ter barreiras. Tem de ver qual é o tamanho da criança para ficar na altura dos olhos e falar diretamente. Como eu tive dez filhos ao longo de 50 anos, falei com dez tribos diferentes. Outro dia saí com o meu filho de 13 anos e mais uns amiguinhos dele e passamos horas juntos, sem ninguém ficar entediado. Eu dialogo com a garotada e vou buscar os assuntos sobre os quais eles conversam, é um laboratório. Esse contato é uma delícia, revigorante e regenerador.

ISTOÉ -
Quem é o seu leitor?

MAURICIO DE SOUSA -
Tenho quatro faixas: a crian­ça que está aprendendo a ler, a que já está se maravilhando com as letrinhas, os garotos na faixa da “Turma da Mônica Jovem” e o adulto que leu a revista na infância e compra para os filhos. Todos têm de ser tratados com o mesmo respeito e entusiasmo, já que produzimos uma revista a cada dois dias. E depois disso vem a tecnologia, vamos para todas as plataformas que existem por aí. Mas vem aí uma época em que nós vamos entrar na educação e em livros. Livro de papel! Veio o iPad, iPod, “iPud”... Tudo bem, mas eu quero o papelzão mesmo, aquele que você cheira a tinta, que leva para qualquer lugar e não precisa de eletricidade na hora que quiser ler.


ISTOÉ -
Em geral, estamos entregando um bom conteúdo a nossas crianças?

MAURICIO DE SOUSA -
O garoto tem que ter acesso a tudo, a desenhos animados alucinados e a momentos de ficar quieto. Tem de se maravilhar com uma música, por exemplo. E ele vai precisar de alguma outra coisa, algo diferenciado, a cada fase da vida. Primeiro eles leem um livro paradinho, em seguida já querem outro mais movimentado. Eles querem uma coisa agressiva, depois algo mais profundo. Aí eles querem uma história romântica e em seguida querem os filmes da década de 1940! (Risos)


ISTOÉ -
De quem foi a ideia de levar a turma à adolescência?


MAURICIO DE SOUSA -
Foi minha. Briguei com o pessoal do meu estúdio anos e anos. Ninguém acreditava, e não havia quem quisesse fazer. Eu dizia: “Não sou louco, vi o que aconteceu e o que deixou de acontecer no mercado.” O número zero da “Turma da Mônica Jovem” ficou rodando no estúdio por quatro ou cinco anos. Lançamos um “semimangá”, o mangá caboclo, nem tanto ao mar nem tanto à terra. Agora estamos nos preparando para lançar o Chico (Bento) moço. Vai mexer muito com ecologia.

ISTOÉ -
Como foi introduzir temas adultos nas histórias da turma?

MAURICIO DE SOUSA -
Às vezes eu vou buscar meu lado adulto, muito raramente. E esse jovem já é adulto, conhece tudo. Eles estão cada vez mais descolados. Não gosto de fazer material para adulto – ele é preconceituoso, teimoso e turrão. O adulto não é normalmente honesto nas observações ou na análise que faz de um material em quadrinhos. Já a criança tem os olhos desse tamanho (arregala os próprios).

ISTOÉ -
Houve uma tentativa de incluir um personagem homossexual na turma da Tina. Por que ele sumiu?

MAURICIO DE SOUSA -
A reação foi tão violenta que eu deixei para depois. Na nossa produção ainda não dá para abordar esse tema.


ISTOÉ -
É uma questão cultural?


MAURICIO DE SOUSA -
Sim, mas ao mesmo tempo, é uma questão ligada ao produto. Ele sempre foi visto pela família como uma coisa para o jovem em formação. E como é que você vai falar de homossexualidade para uma família normal? Não é preconceito. A Turma da Mônica não deve levantar bandeiras, ela deve pegar aquelas que estão passando.


ISTOÉ -
E a política, tem espaço?


MAURICIO DE SOUSA -
Não, prefiro não mexer com política, religião e sexualidade. E dá para você contar milhões de histórias dessa maneira.


ISTOÉ -
Qual o segredo para fazer sucesso fora do Brasil?


MAURICIO DE SOUSA -
Como todos fomos “colonizados” pelos comics americanos, aprendemos como fazer a coisa. Falamos a língua do dia e da hora da criançada daqui e do mundo, então vendemos na Europa, na América Latina ou na Ásia. E aí o negócio desandou para o merchandising, para filmes e agora para projetos educacionais. O mais importante é o que realizamos na China. As histórias da Mônica estão sendo distribuídas na pré-alfabetização, como uma forma de estimular o hábito da leitura. A arte brasileira é universal. Veja a música, a arquitetura.

ISTOÉ -
A infância está passando rápido demais?


MAURICIO DE SOUSA -
Não, ela não está ficando mais curta, e sim se condensando. A criança está aprendendo mais rápido. Então, é lógico, tem que pular para outro estágio. Mas eles não perdem nada. Talvez cheguem imaturos à adolescência, mas a informação que eles têm hoje é muito maior.


ISTOÉ -
A imagem romântica da infância está morrendo?


MAURICIO DE SOUSA -
Não, a criançada gosta de brincar do mesmo jeito, com as mesmas coisas, só que agora ela tem um arsenal maior e mais tecnológico. Eles gostam das mesmas coisas, de carinho, cuidado, atenção, liberdade. E querem voar sozinhos desde sempre.

ISTOÉ -
O sr. é muito presente no Twitter. É fã das redes sociais?

MAURICIO DE SOUSA -
Primeiro entrei no Orkut, fiz um monte de amizades e fizemos encontros orkutianos. Aí veio o Twitter. Tem de ser uma leitura dinâmica, como nos quadrinhos. Em cinco minutos, dou cinco ou dez respostas, às vezes monossilábicas. Senão vira chat, diálogo. Também jogo umas fotos ou alguma história do Horácio. Além disso, a rede social me diz onde não chegou o gibi ou o que aconteceu com alguma assinatura. O pessoal merece esse respeito.


ISTOÉ -
Por que o Parque da Mônica, em São Paulo, foi fechado?


MAURICIO DE SOUSA -
O contrato acabou e o shop­ping (Eldorado) queria o espaço.

ISTOÉ -
O sr. ficou chateado?

MAURICIO DE SOUSA -
Não vou ficar chorando sobre leite derramado. Fechei e acabou a história. Agora estou preparando um novo parque, também em São Paulo. Temos outro em Angola, um espaço em Portugal e alguns menores espalhados pelo Brasil.


ISTOÉ -
O sr. foi parceiro de alguns dos maiores grupos da mídia impressa brasileira. Ficou algum inimigo?


MAURICIO DE SOUSA -
Não conheço nenhum inimigo, ou ele disfarça muito bem (risos). Nos últimos 30 anos, ninguém chegou perto da gente nesse negócio.

ISTOÉ -
Como o sr. alimenta a criatividade da equipe?


MAURICIO DE SOUSA -
Os roteiristas estão espalhados por todo o País. Comecei a notar que eles começavam a se repetir, era como se um colasse a história do outro. Precisávamos de outras informações, de outras culturas, e cada um deles voltou para a sua terra, seu canto, seu prado, qualquer coisa assim. Hoje, apenas dois dos 23 roteiristas estão aqui para emergências. O resto está solto por aí, de Porto Alegre a Manaus. E deu supercerto.


ISTOÉ -
Como foi o sequestro de Marcelo, seu filho caçula, em 2008?

MAURICIO DE SOUSA -
Passei três dias meio em choque. Depois, comecei a desenvolver um sentimento de que as coisas iam acabar da melhor maneira. Contamos com o ótimo trabalho da polícia especializada de São José dos Campos e tudo se resolveu. No dia que acharam o cativeiro, eu estava já esperando, cheguei a passar perto do lugar. Não houve sequela e ele está muito bem.

ISTOÉ -
Fale da sua relação com o personagem Horácio? Ele é mesmo o seu alterego?

MAURICIO DE SOUSA -
Eu sempre negava, mas é sim. Com ele posso fazer fábulas. Aí o bicho não fala, você não sabe o que ele está pensando. Então, inventa situações onde ele pode criticar, pode externar o que está na sua cabeça, a sua filosofia. E aí temos uma brincadeirinha gostosa. Como o Horácio está num local atemporal – que parece a pré-história, mas de repente não é –, também posso mexer com o cenário. Ele não é ligado a qualquer tipo de governo ou religião. Por muito tempo, o bichinho falava das minhas entranhas. Com algumas barreirinhas, senão ficava muito evidente.

ISTOÉ -
A aposentadoria é uma opção para o sr.?


MAURICIO DE SOUSA -
Vamos dizer que eu vou trocar de atividade na organização. Estou treinando o pessoal para isso, delegando. O nosso processo, a nossa arquitetura, permite que eu largue algumas coisas. E aí vou inventando outras. É isso que eu pretendo fazer.

Fonte: Isto É

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