Sabendo-se que o câncer mata 10 milhões de pessoas por ano no mundo e quase 200 mil só no Brasil é possível que o dia 27 de novembro, Dia Nacional de Combate ao Câncer, seja mais um alerta que uma celebração.
Uma das coisas dignas de registro é o seu exemplo de paciência, persistência e coragem que faz o país inteiro se solidarizar e torcer pela sua cura.
O mais assustador, presidente, não é o diagnóstico em si, mas a insuficiência das armas de que dispõe o cidadão para enfrentar a doença e as discriminações que consequentemente o perseguirão para o resto da vida.
Com toda certeza, o senhor não tem conhecimento do que seja a realidade do paciente anônimo, do brasileiro comum, aquele cuja tabela do SUS paga uma diária completa, incluindo pousada e alimentação em valores atuais de R$ 24,75, quando precisa se deslocar para os grandes centros em busca de tratamento.
O senhor poderia avaliar o que é uma pessoa, sabendo-se portadora de um tumor maligno, cujas células se multiplicam descontroladamente, destruindo seus órgãos, só conseguir uma cirurgia seis meses depois, se tiver sorte? Sim, porque na maioria das vezes no dia marcado para a cirurgia que, finalmente, vai lhe extirpar o mal, é bem possível que não haja leito disponível no hospital, que ocorra uma greve dos servidores ou que os equipamentos estejam quebrados. Pode ainda faltar anestésicos e, para seu desespero, por mais de uma vez, a cirurgia ser adiada. Quando, enfim, for realizado o procedimento, pode ser tarde demais e a batalha contra o câncer estará definitivamente perdida se já houver metástases com o comprometimento de órgãos vitais. Isso poderá retirar-lhe as chances de sobrevivência, causar um sofrimento indescritível e um custo enorme não só para a máquina pública, mas para todos nós, que assistimos impotentes a esse circo de horrores e pagamos impostos para sustentá-lo.
Para melhor informá-lo, poderíamos falar ainda dos milhares de pacientes que morrem de forma cruel porque não conseguem vencer a burocracia para receber um medicamento básico como a morfina, que, por ser uma droga controlada, exige laudos tão detalhados que muitos médicos não têm tempo de elaborar, e, quando o fazem, mesmo assim as farmácias do Estado demoram em média dois meses para disponibilizar. Sem falar nas desgastantes batalhas judiciais para conseguir medicamentos de alto custo que muitas vezes só chegam após a morte do paciente.
Talvez o senhor nem tenha ideia de que uma pessoa, ao receber um diagnóstico de câncer, recebe também um aviso prévio da morte. O seu ganha-pão lhe é tirado e não há na Constituição Cidadã previsão de garantia do sagrado direito ao trabalho nessa situação. Sem estabilidade no emprego a demissão é inevitável, pois as empresas vivem do lucro e não da filantropia. Afinal quem vai querer um trabalhador fragilizado pela doença com a perspectiva de faltas ao trabalho e um longo tratamento pela frente? E se na agenda dos nossos parlamentares sobra tempo para agressões, escândalos e discussões inócuas não há espaço para um projeto de lei que confira a estabilidade ou um benefício que garanta ao paciente a subsistência durante o tratamento.
Para completar a sua via crucis, a previdência lhe fecha as portas e os peritos, não satisfeitos em maltratá-lo, cortam-lhe o auxílio-doença ou indeferem sua aposentadoria. Uma pessoa nessas condições está fatalmente condenada à morte se não pela doença, pela inanição, ou pela vergonha de passar a viver da caridade alheia.
Mas não termina por aí. O pesadelo do diagnóstico de câncer acompanha o paciente pelo resto da vida. Se ele sobreviver a tudo isso, que procure os agiotas se um dia vier a precisar de um financiamento, pois os bancos lhe negam crédito sem que ele tenha qualquer restrição em seu cadastro. O sonho da casa própria também cai por terra, porque encontrará os mesmos obstáculos por parte das instituições financiadoras. As seguradoras sequer discutem a possibilidade de renovar seus contratos de seguro de vida, pois a sua vida já não vale mais nada e até os planos de saúde o rejeitam.
Mas nem tudo está perdido. Um cidadão mais preparado ainda pode pensar na possibilidade de tentar um concurso público que lhe dê estabilidade profissional e financeira. Nesse caso que se prepare para uma longa e desgastante batalha judicial e uma desilusão no final.
Dessa forma, presidente, sem saída e condenado à morte se não pela doença, pelo desemprego, pelo descaso institucional, pela falta de uma política compensatória e de uma legislação que o proteja, o paciente vai vivendo assim, como um subcidadão ou um morto civil, órfão de cidadania, trilhando seu calvário sem os holofotes da TV para mostrar seu drama, sem helicóptero para transportá-lo às pressas, sem um hospital particular para atendê-lo de imediato, sem abrigo, sem emprego, sem remédio, sem informação, sem dignidade, enfim. E, pior de tudo, sem comover ninguém.
Quem sabe, presidente, o senhor com o seu exemplo de tenacidade e determinação na luta pela vida e com a sensibilidade adquirida durante anos de tratamento consiga implementar alguma ação no sentido de evitar que a indiferença contamine a sociedade de forma metastática e que o paciente de câncer possa ser reconhecido como cidadão do mundo. Ampará-lo, pois, é princípio humanitário, preconizado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e corroborado pelas constituições de todas as nações livres, soberanas e democráticas, participantes da Organização das Nações Unidas (ONU).
Antonieta Barbosa é paciente de câncer - autora do livro "Câncer - Direito e Cidadania" e diretora do Instituto Cristina Tavares de Apoio ao Adulto com Câncer em Recife
Realmente é muito triste a situação do cidadão portador de câncer ou de qualquer outra doença em nosso país,pois o sistema de saúde é precário como foi relatado acima.O Brasil como diz a propaganda governamental : "É um país de todos",mas não é necessário uma análise muito profunda para constatar que esse slogan não é mentiroso,só está incompleto e que na verdade deveria ser divulgado da seguinte maneira : Brasil um país de todos... que possuem dinheiro,influência,poder entre outros atributos.A realidade é amarga mas passível de mudança e espero sinceramente que esse desabafo surta efeito.
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